sábado, 15 de novembro de 2014

CONTOS DA NOSSA TERRA

CEARÁ-MIRIM, NOSSA TERRA, NOSSA GENTE

SEU EGÍDIO
Por Ricardo M. Sobral



Seu Egídio, pelo que sofreu da meninada do meu tempo, repousa no céu, guarnecido por anjos e querubins.

Antigo bulieiro do Coronel Felismino Dantas, o intendente municipal que construiu em 1910 o prédio que hoje é a sede da Câmara Municipal, 
ganhava a vida abastecendo as residências da cidade, num tempo em que não havia água saneada. No seu ofício era mais eficiente do que o SAAE de hoje, já que, com ele, não havia solução de continuidade no fornecimento.
Era um preto velho, sempre vestido de branco, de bigode e cabeleira bem alvinhos. Deve ter falecido próximo dos cem anos.
Utilizava um terno de jumentos e barris de madeira, envoltos em aspas de metal.

Quando um dos três burros de seu Egídio se distanciava um pouco da tropa tiravamos uma das tampas do barril. Outra presepada que a gente fazia com seu Egídio era assobiar ou imitar os jumentos. Os bichos se acuavam e quase não paravam mais de rinchar.

Quando chamavamos seu Egídio de Calunga, ele esbravejava:
- Calunga é voce, fresco, corno e fi da puta.

Diante da reação do preto velho, a molecada mudou de estratégia: em vez de afirmar, perguntava: - o que Calungar é?

Aí seu Egídio esculhambava com ele mesmo, repetindo os impropérios.
Percebendo que o botador d'agua estava perdendo a batalha para os meninos, o vereador Chico Horário, aquele cuja buzina do caminhão era um toque musical, chamou seu Egídio e o orientou. O velho entendeu bem direitinho. Numa tarde em que a estação do trem estava lotada lá vem seu Egídio tangendo sua tropa. Ao se aproximar da bodega de seu Cirilo, os meninos gritaram: 
- o que Calunga é?

Seu Egídio, que gostava da refrega, respondeu com um sorriso matreiro:
- Macho de tua mãe, magote de fi da puta.

Com esse tiro de ronqueira seu Egídio ganhou a guerra.
Ainda hoje quando encontro com Nelsinho Moreira, o Pua, o cumprimento é um só: Calunga!



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